A história recente da Luta pela Revolução Social na Grécia tem como data de nascimento o dia 14 de Novembro de 1973. Em plena ditadura militar orquestrada por coronéis de extrema direita, militantes da esquerda clandestina ocuparam a Universidade Politécnica de Atenas e nas paredes pintaram as frases “Abaixo o Estado” e “Abaixo o Capital”. Barricadas foram erguidas nas ruas paralelas e no portão principal. Uma rádio pirata foi instalada dentro da Universidade e irradiou discursos revolucionários para todo o país durante três dias seguidos até que em 17 de Novembro, tanques do exército derrubaram o portão principal e invadiram a ocupação matando 83 estudantes – a maioria deles anarquistas.
Dois dias depois a Grécia registraria os maiores protestos violentos da história do país. A ditadura chegou a instituir uma lei marcial para tentar frear o inevitável processo de colapso do regime, que ocorreria de fato menos de dez dias depois, em 25 de Dezembro. A ditadura do coronel Papadopoulos é então golpeada pelo brigadeiro Dimitrios Ioannidis, que substitui uma ditadura por outra. Os sucessivos golpes militares que começaram em 1967 sob a justificativa de “salvar o país do comunismo” só encontrariam um fim no dia 8 de Dezembro de 1974 com a instituição da Terceira República Helênica sob a liderança do direitista Karamanlis.
Este importante evento que acabou solapando a Ditadura dos Coronéis é hoje considerado feriado nacional. Todo dia 17 de Novembro, estabelecimentos estudantis fecham suas portas e estudantes e professores — em especial anarquistas — saem às ruas em protestos que religiosamente terminam reprimidos pela polícia.
A Escola Politécnica de Atenas, que fica no bairro estudantil de Exarchia, se tornou símbolo nacional de resistência e o marco inicial do movimento anarquista grego atual. Exarchia, distrito central de Atenas, a partir de então se tornou uma “zona livre” gerida por anarquistas, comunistas e militantes libertários. O bairro é majoritariamente composto por estudantes e professores da Universidade Politécnica, bem como funcionários públicos e autônomos, que coletivamente decidem e executam seus deveres e necessidades da forma mais libertária possível. Andando pelas ruas de Exarchia, é possível vislumbrar um bairro leve, colorido e politicamente pulsante, rodeado por ocupações culturais, bibliotecas, bares e restaurantes que exalam a liberdade defendida por aqueles que frequentam aquele território livre.
Foi também naquele bairro que outro importante e trágico evento marcaria a história grega, quase 35 anos depois do fim da ditadura naquele país. Na noite do dia 6 de Dezembro de 2008, um jovem anarquista de 15 anos, desarmado e com headphones, foi covardemente assassinado por dois policiais. Dois tiros atingiram o coração de Alexandros Grigoropoulos, que morreu nos braços de seu melhor amigo, Nikos Romanos, também de mesma idade. Poucas horas depois a Grécia registraria novamente os maiores protestos violentos de sua história que perduraram quase que ininterruptamente até o fim daquele mês.
Nikos Romanos ajudou a carregar o caixão de Grigoropoulos durante seu velório antes de entrar para a ilegalidade e reaparecer em 2013 na mídia grega como assaltante de bancos, membro da organização de guerrilha urbana CCF (Conspiracy of Cells of Fire), ou “Conspiração das Células de Fogo”. Nikos foi capturado e preso junto com outros dois camaradas após uma tentativa frustrada de expropriação bancária em que foram utilizados coletes à prova de bala e fuzis Kalashnikov. Nikos Romanos foi barbaramente torturado pela polícia que chegou a manipular de forma grosseira as fotos dos rostos desfigurados dos três militantes. Atacado pela mídia e julgado culpado pelo Estado, Nikos foi condenado a 15 anos de prisão em uma prisão de segurança máxima.
Exarchia, por conta desses dois importantes eventos históricos, é o principal símbolo físico do anarquismo moderno na Grécia. Entretanto ele nem sempre foi assim.
O anarquismo não é novo na Grécia e certamente não começou na Universidade Politécnica de Atenas, nem terminará em Exarchia. Apesar das opiniões diferirem, anarquistas costumam dizer que o movimento começou na cidade portuária de Patras e foi trazido através do mar Jônico por navegadores italianos em meados do século 19.
De lá para cá, a solidariedade aos imigrantes foi sempre uma forma de se respeitar o legado daqueles que trouxeram a ideologia para a Grécia. Com o enorme fluxo de imigrantes árabes e africanos que começaram a chegar no país durante os últimos anos, centros anarquistas de ajuda e cooperação a estes recém-chegados começam a pipocar em Atenas, como é o caso do Centro de Solidariedade Notara, localizado em Exarchia.
Notara foi fundada em setembro de 2015 quando cerca de 20 anarquistas e militantes de esquerda ocuparam um prédio abandonado de três andares, que pertencia ao Ministério do Trabalho. O centro Notara é anarquista, altamente ideologizado e politicamente firme. Oferece acomodação temporária aos imigrantes, bem como tratamento médico, roupas, e informações para mais de 100 refugiados que buscam ajuda todos os dias.
Há também inúmeros outros estabelecimentos como Notara, geridos por militantes revolucionários, espalhados pelas ruas de Exarchia e também fora dela, oferecendo serviços gratuitos como aulas de grego e inglês, serviços hospitalares, hotelaria, comida, etc. A população mais pobre e sobretudo os recém desempregados e atingidos pelas medidas de austeridade, também são atendidos nesses pontos.
Essa solidariedade, entretanto, não é exclusividade apenas dos anarquistas. Grupos de extrema-direita como o “Golden Dawn” (Aurora Dourada, partido-movimento grego de caráter ultra nacionalista) também começaram a ajudar os pobres como um instrumento de luta e propaganda; entretanto esses grupos nacionalistas, extremamente demagogos, auxiliam somente os “gregos nativos” e fecham os olhos para a população mais marginalizada.
Os fascistas não se limitam a distribuir comida ou ajudar os menos favorecidos como forma de atuação política. A perseguição violenta e muitas vezes fatal não só contra refugiados e imigrantes, mas também contra antifascistas, é certamente o principal pilar de atuação da militância de extrema-direita na Grécia.
Enfrentamentos violentos costumam ocorrer nas ruas de Exarchia entre invasores fascistas – bem como policiais – e anarquistas que patrulham e protegem o bairro. O fascismo tornou-se uma ameaça considerável aos anarquistas e à esquerda grega em geral, principalmente depois que o Golden Dawn angariou 7% dos votos nas eleições parlamentares de 2015. O partido conta, sobretudo, com o apoio de inúmeros policiais que integram o partido e fazem o jogo sujo da direita com suas fardas e coturnos.
O auge do conflito entre fascistas e anarquistas na Grécia resultou no assassinato de dois membros do Golden Dawn em frente à um gabinete do partido, em uma ação considerada “terrorista” pelas forças fascistas e policiais.
No dia 16 de novembro, a organização “The Fighting People’s Revolutionary Powers” (ou “Forças Revolucionárias do Povo Combatente”) clamou autoria de ambos os assassinatos como sendo uma retaliação à morte de Pavlos Fyssas — também conhecido como Killah-P — , rapper antifascista envolvido no movimento anarquista de Atenas.
Pavlos morreu em setembro de 2013, esfaqueado por um grupo de neonazistas ligados ao Golden Dawn. Alguns dias depois, 20 membros do partido — incluindo seu líder Nikolaos Michaloliakos — foram presos pela polícia antiterrorista acusados de formação de quadrilha. Na casa de Michaloliakos foram encontradas armas, munições e uma quantidade considerável de dinheiro vivo.
A história de Michaloliakos acabou quando ele ganhou sua liberdade em Julho de 2015; uma sorte que Nikos Romanos não foi capaz de conseguir. Atualmente preso em uma cadeia de segurança máxima após a tentativa frustrada de assalto a banco em 2012, Nikos acabou atraindo atenção internacional para a organização clandestina pela qual militava.
A Conspiração das Células de Fogo, com a propulsão internacional ligada ao icônico caso Romanos, é sem dúvida alguma um divisor de águas no cenário anarquista na Grécia. Desconhecida da população grega até 2008, a CCF apareceu na mídia no dia 21 de Janeiro daquele ano após incendiar e explodir 11 bancos e concessionárias de carros e seguros nas cidades de Atenas e Tessalônica.
A CCF tem como ideologia o anarco-individualismo, representando a partir disso uma outra alternativa ao anarquismo grego; majoritariamente social e de massas. Rejeitando o trabalhismo e outras lutas coletivistas, a CCF se restringe em atacar diretamente as estruturas do Estado e do Capital através da propaganda pela ação, sem esperar momento propício ou ajuda externa. A Conspiração, apesar disso, se posiciona através de seus manifestos digitais sempre em solidariedade às mais diversas lutas travadas pela militância anarquista e comunista, bem como aos presos políticos da Grécia e do mundo.
No manifesto mais popular da organização, intitulado “The Sun Still Rises” ou “O Sol Ainda Há de Nascer”, conceitos como “organização revolucionária”; “grupos de intimidade”; “expropriação bancária” e “guerrilhas urbanas” são defendidos como parte de uma estratégia de subversão da ordem e do poder. Em Outubro de 2011, a organização foi classificada como terrorista pelo Departamento de Estado dos EUA, após ações de repercusão internacional como o atentado à bomba no Tribunal de Atenas.
Após a prisão de Nikos, a Conspiração das Células de Fogo começou a ser atacada pela polícia anti-terrorista grega (extremamente bem equipada e treinada pelos EUA e pelo lobby de segurança da União Europeia) até que a maioria de seus membros estivessem atrás das grades, condenados a severas penas em prisões federais de segurança máxima. Apesar de fraca e atualmente desmembrada, a CCF continua resistindo a partir de pequenos grupos de afinidade espalhados pela Grécia e em especial pelas cidades de Atenas e Tessalônica, que realizam ataques esporádicos com bombas e dispostivos incendiários contra a polícia, juízes, bancos e sedes de partidos.
Resistindo ao fascismo, às forças policiais e às medidas de austeridade que atacam os mais jovens e os mais velhos, os anarquistas atualmente representam não só uma história de luta e resistência, como constituem a maior força política contra-hegemônica de toda a Grécia e quiçá do mundo.
A Grécia, outrora mãe da democracia moderna, hoje vê crescer no seio da sua sociedade um dos mais fortes grupos antissistêmicos do mundo.
A última grande revolta levada a cabo pelos anarquistas foi em 6 de dezembro de 2018, nas manifestações que lembravam os 10 anos da morte do garoto Alexandros Grigoropoulos.
Com uma sólida história, táticas diversificadas e uma surpreendente coesão organizacional, o anarquismo grego é sem dúvida alguma um dos maiores espelhos da Revolução Social para os movimentos antissistêmicos de todo o planeta.
Για τους Έλληνες αδελφούς,
Ζήτω ο αναρχισμός!
Ζήτω η κοινωνική επανάσταση!
Μπορεί η νεκρή μας ανάπαυση με ειρήνη.
Έτσι ώστε οι δολοφόνοι τους, να υποκύψουν στην εξέγερση
7 de dezembro de 2018 – Companheiro M.